Por que a renovação da frota brasileira é tão importante quanto o saneamento básico
Você sabia que nos últimos seis anos a frota de carros e caminhões que circulam pelo Brasil ficou mais velha? Na prática, significa que eles estão cada vez mais inseguros e poluentes. É ruim para todos. Inclusive para quem não tem carro. E inclusive para quem anda sempre de automóvel zero-quilômetro.
Poucos sabem, porém um dos motivos pelos quais pagamos tão caro pelos automóveis é falta da renovação da nossa frota, porque somos estimulados a manter em uso os carros mais antigos. Mas isso explicarei mais à frente. Agora vamos ver o tamanho do problema e como chegamos a ele.
Dê uma olhada no quadro abaixo. Segundo um estudo do Sindipeças, que reúne o setor de autopeças, a idade média da frota circulante brasileira em 2019 foi de 9,7 anos. Ela tem envelhecido a cada ano e, com a queda nas vendas causada pela pandemia, tudo leva a crer que bateremos a marca de 10 anos ao fim de 2020.
Quanto mais antiga é essa média, pior é para a sociedade. Porque os veículos envelhecidos poluem mais, quebram mais e causam mais acidentes. Calma que vai piorar: entre os caminhões a idade é de 11,6 anos. Essa é a média, pois se analisarmos os números veremos que 27% dos caminhões que rodam por aí têm 16 anos de vida ou mais.
Por que a frota envelhece
A causa desse envelhecimento é o baixo crescimento econômico do País nos últimos anos, o que reduziu a venda dos novos. Menos veículos novos que entram na frota, mais envelhecida ela fica na média.
Outra razão é falta de políticas públicas que incentivem a renovação e o descarte dos veículos sem condições de rodar. Muito pelo contrário. Aqui premia-se a posse de carros velhos (e muitas vezes sem condições de segurança) com a isenção do IPVA.
No Brasil, um automóvel com 15 ou 20 anos de idade não paga mais IPVA, dependendo do Estado. Mas há lugares em que o limite é de apenas 10 anos, como Rio Grande do Norte e Roraima. Ou seja, um modelo 2010 já não pagaria um centavo de IPVA.
Usados são mais caros
Se não há ação para estimular a compra de um veículo mais novo, a tendência é conservar um velhinho na garagem. No entanto outro efeito colateral desse movimento é a supervalorização dos veículos usados.
No Brasil, um Honda Civic zero-quilômetro custa a partir de R$ 103.200. Nos Estados Unidos ele sai por US$ 20.800 (R$ 116.000). Um modelo 2018 pode ser comprado aqui por R$ 92.000 contra US$ 12.000 (R$ 67.000). Portanto, no Brasil um Civic com dois anos de uso custa 89,1% de um zero, enquanto nos EUA ele vale só 57,7%.
Quando se analisa o mercado de utilitários e caminhões, a distorção é ainda maior. Basta procurar em classificados on-line para encontrar uma picape Chevrolet D20 4×2 fabricada em 1995 por cerca de R$ 50.000. Se estiver em ótimo estado, encontraremos várias anunciadas acima de R$ 90.000. É um delírio mercadológico já que uma moderna picape diesel 4×4 zero custa a partir de R$ 157.000, caso da Mitsubishi L200 Triton. Precisa dizer mais alguma coisa?
Risco maior de acidentes
Segundo o professor Tiago Bastos, especialista em transportes da Universidade Federal do Paraná, 7% dos acidentes em rodovias federais devem-se à má conservação dos veículos. Ele alerta que o número é ainda maior. “Nos registros, há uma tendência de supervalorizar o fator humano, pois é mais fácil atribuir à imprudência ou à imperícia do motorista que descobrir defeito no veículo ali na hora do acidente.”
Custo social pesa em todos
Segundo documento do Conselho Federal de Medicina, os acidentes de trânsito tiveram um custo direto de quase R$ 3 bilhões para o Sistema Único de Saúde (SUS) em uma década. Estimando que 7% deles são de manutenção, poderíamos ter evitado um custo para o contribuinte (portanto no seu e no meu bolso) de R$ 210 milhões.
Como sabemos, esses acidentes causam ainda congestionamentos que param rodovias, provocam a perda de reuniões, voos ou negócios e ainda impedem a entrega de cargas, o que no fim se traduz em significativas perdas na atividade econômica.
Com os caminhões, temos outro agravante, que impacta no orçamento dos brasileiros: o valor do frete. O transporte de carga acaba tendo um custo maior porque a manutenção desses veículos é elevada, o consumo de combustível é mais alto e algumas cargas são perdidas por quebras e acidentes do veículo. Tudo isso vai impactar o preço do produto que está sendo transportado.
Mais poluentes no ar
Além de pesar no bolso, a falta da renovação da frota também faz mal à nossa saúde. Um estudo da USP de 2018, por exemplo, mostra que os caminhões e ônibus são responsáveis por 50% da poluição do ar da cidade de São Paulo apesar de representarem míseros 5% da frota circulante. E quanto mais antigo o caminhão, pior o cenário.
Uma estimativa do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) diz que um único caminhão com mais de 30 anos polui o mesmo que 40 caminhões novos, que hoje seguem o padrão Proconve P7 (equivalente ao Euro 5). Em 2023 deve entrar em vigor o Proconve P8 (Euro 6), com regras ainda mais rígidas.
Dá para mudar esse cenário
Depois desse resumo, fica claro que temos de começar urgentemente a pensar em renovar nossa frota. E só é possível se houver duas ações conjuntas: uma para estimular a compra de veículos mais novos, outra para desestimular o uso dos mais antigos. Afinal, muitos desses veículos são o ganha-pão de várias famílias brasileiras e esse custo social precisa entrar na conta.
Para impulsionar os novos, precisamos de algum tipo de incentivo fiscal ou linhas de financiamento especiais que favoreçam quem entrega um modelo antigo para adquirir outro mais moderno – nem precisa ser um zero-quilômetro.
Para desencorajar o uso dos antigos, é preciso atacar em duas frentes. A primeira seria o aumento progressivo do IPVA. Em outros países, paga-se mais imposto no automóvel antigo e menos no novo, justamente para incentivar pessoas e empresas a ter veículos que consomem menos, poluem menos e mais seguros.
A segunda ação seria uma vistoria preventiva de manutenção que fosse periódica e nacional. Aliás, essa inspeção está prevista no Código de Trânsito Brasileiro desde 1998 e nunca foi implantada. Estima-se que, se houvesse hoje essa vistoria no Brasil inteiro, 30% da frota circulante seria reprovada.
Para veículos clássicos ou de coleção, obviamente, haveria regras especiais, pois eles têm a importante função de preservar a memória de uma época.
Saneamento básico não dá voto
É por isso tudo que concordo que a renovação da frota é tão importante quanto o saneamento básico. Pena que não fui eu que disse, mas sim o presidente da Anfavea (associação dos fabricantes de veículos), Luiz Carlos Moraes, no seminário Frota Segura e Sustentável, organizado pelo Observatório Nacional de Segurança Viária e que também contou com a presença do professor Tiago.
Moraes explicou que muitos políticos não gostam de falar do binômio renovação/inspeção da frota porque é um assunto impopular. “É como o saneamento básico, que eles dizem que fica enterrado e ninguém vê”, diz Moraes.
E, por favor, não digam que estou defendendo a renovação de frota porque sou favorável aos fabricantes. Sou favorável à vida, à nossa saúde e à nossa segurança. Esta é uma bandeira que deveria ser defendida por todo brasileiro.
Essa é uma seleção de conteúdo da Reed Exhibitions. Visite o site Automotive Business e veja a matéria original.
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