04 a 08 Novembro | 2024

Entrevista: Christopher Podgorski - CEO e Presidente Scania Latin America

Por Fred Carvalho

Futuro elétrico? Não, eclético.

Em entrevista, Christopher Podgorski, CEO e presidente da Scania Latin America, contou como a montadora definiu a descarbonização com norte estratégico para a guinada radical na estruturação de um futuro limpo e adequado aos tempos do ESG.

“Para entender como foi todo o processo tenho de contar as várias ações que a empresa realizou nos últimos anos, dos investimentos de bilhões de euros no desenvolvimento, durante nove anos, de uma nova linha de caminhões à conscientização do board da Scania, através do CEO Henrik Henriksson, que afirmava que se nada fosse feito daqui alguns anos ninguém mais gostaria de trabalhar, fornecer e comprar da nossa centenária companhia”, relembra Podgorski.

A trajetória da centenária empresa mudou ao longo dos últimos anos. O objetivo da redução de emissões passou a ser o ponto de partida para todos os esforços. “Foi redefinida a visão do futuro da empresa, de seus produtos, de suas operações. Acreditamos que aumentar o conhecimento a respeito das mudanças climáticas é crucial para atendermos o que foi definido no Acordo de Paris. A bandeira da sustentabilidade não é somente um discurso, mas sim uma questão de sobrevivência. Não temos outro planeta. Se não formos atraentes nesta área não seremos competitivos.”

Uma das ações da empresa para compreender o seu real impacto no meio ambiente, a Scania encomendou um estudo para a consultoria McKinsey, com foco nos três principais mercados: Europa Ocidental, China e Estados Unidos (todos no Hemisfério Norte e mercados bem capitalizados). Os resultados obtidos foram subsídios importantes para as definições de quais são as principais estratégias da Scania no mundo. “A partir daí verificamos onde e quando priorizar a introdução de novas tecnologias. O trabalho da consultoria foi tão bem-feito que mostrou coisas que hoje parecem obvias e que começam agora a acontecer aqui no Brasil”.

PRIORIDADES – O estudo mostrou uma linha do tempo em que a eletrificação aconteceria primeiro e deveria ser prioritária. Tal como já acontece atualmente são aplicações urbanas, de curta distância, com veículos mais leves, podendo chegar aos médios. Com foco em distribuição de cargas, encomendas, coleta de resíduos e no transporte de passageiros, com os city buses.

“Foi através da validação destes dados que há quatro anos a Scania definiu as 36 diferentes aplicações. Quando passa um dos nossos caminhões não dá para saber, na maioria dos casos, qual das versões é. Cada uma tem especificação exata, com pacote de serviços também especificado. Exemplo: transporte de carga refrigerada. A demanda de especificações e os serviços que empacotam a solução é para um graneleiro e outro para um caminhão tanque. É assim que a gente trabalha: criando o sistema modular a Scania oferece exatamente o que o transportador precisa. É o canivete suíço com o que você precisa para aquela aplicação”.

O resultado de tanto foco, tanta estratégia rumo ao futuro apareceu, efetivamente, na maior feira de transportes do mundo – IAA Commercial Vehicles Hannover – em 2019. Lá existiam mais de 15 veículos expostos, mas nenhum movido a diesel. “Eram vários modelos com todas as alternativas energéticas apontadas pelas pesquisas – híbridos, elétricos, fuel cell, biometano, diesel renovável etc”.

NÃO TINHA PROTÓTIPO - “Todas as alternativas eram reais, não tinha protótipo. Tudo testado e aprovado em longos testes. Prontos para serem comercializados. E naquela conversa disse: tudo está pronto, a gente investiu e desenvolveu. Resta ao transportador, nosso cliente, definir o que quer”.

Podgorski lembra, no entanto, que o diesel é a matriz que impera há mais de 120 anos, desde a Standard Oil, desde os Rockfellers. A infraestrutura granular espalhada por todo mundo é imbatível, por isso se fala em combustíveis alternativos. “Agora estamos trocando o termo para renovável, mas os desafios ainda são os mesmos. Precisamos apresentar uma solução que consiga contemplar todos os quadrantes de sustentabilidade, em que nunca podemos esquecer people and planet. Mas a parte econômica, financeira, é super importante”.

Se o estudo da McKinsey foi fundamental para definir as estratégias para o futuro, mas era mais focado nos mercados do hemisfério Norte, a necessidade de atualizar os dados e ter forte abrangência sobre o Brasil, gerou o Transporte Comercial Net Zero 2050 em parceria com a rede Brasil do Pacto Global das Nações Unidas e a Bain & Company, com apoio da BRF, Ipiranga e Unidas.

“Foi exatamente naquela ocasião que, além de definir o que viria primeiro, também se pensou em quais seriam as aplicações mais viáveis. A eletrificação viria mais rápido nas zonas que já tem um mínimo de infraestrutura. Não precisa sacrificar demasiadamente a capacidade de transporte, payload com o peso morto das baterias, para poder fazer uma distância maior. Então, com base nisso, a Scania redefiniu todo o seu product development process, seu roadmap etc. Inclusive tomou a decisão histórica que foi o lançamento, há três meses, de um novo produto na Europa, que é o Scania Super”. 

A MAIS AVANÇADA DA HISTÓRIA - “A nova geração de caminhões foca muito mais na cabina, plataforma eletroeletrônica para poder ter as soluções de conectividade, já ser a plataforma preparada para eletrificação. Mas a Scania tomou a decisão arrojada e foi a única que fez isso. Muita gente até questionou. Desenvolvemos a geração mais avançada de motores a combustão interna da história”, afirma.

“Entregamos desde a introdução do NTG junto com as soluções conectadas, uma redução ou uma melhora na eficiência energética de 20%. Isto provado com testemunho do cliente. Agora só com o hardware novo que entregamos estamos dando mais 8%. Exatamente por isso a gente ganhou agora, pelo sexto ano seguido, o reconhecimento do Green Truck of the Year, uma premiação de jornalistas alemães que compara todas as marcas e verifica quem dá a melhor eficiência energética. Ganhamos por seis anos seguidos”.

Em realidade, a decisão da Scania de desenvolver um motor integralmente movido a diesel, praticamente um Euro 7, em momentos em que se comenta o fim dos motores a combustão interna, foi um choque no mercado. “Sabemos que não existe uma bala de prata. Os estudos da Anfavea e da BTG mostram que em 2035 o diesel ainda será preponderante. No fantástico estudo da Bain, em 2050, o diesel ainda vai representar 33% da matriz energética.”

Em relação ao estudo Net Zero 2050, Podgorski conta que a Scania deu o suporte técnico para nortear o escopo. “Municiamos a Bain, que tem um monte de especialistas, alguns gênios, muita gente boa. Eles acreditaram tanto no projeto, estão tão ligados na questão de sustentabilidade, que resolveram também participar dos custos do projeto. E não foi pouca coisa. Eles avisaram que iriam assumir um terço do custo deste estudo. Mais importante ainda foi a crença e o foco que eles deram para este estudo. Eles checaram, rechecaram, foram atrás da correção das informações. Em caso de dúvidas ligavam para a gente. O resultado do estudo parece muito coerente, está bem alicerçado e leva em consideração as particularidades do Brasil”.

O executivo realça a importância do Pacto Global Rede Brasil, pois as 1600 empresas destacadas são os principais embarcadores. “Exatamente aqueles que contratam os transportes, que pagam os fretes. Entre estes associados temos multinacionais que já fizeram compromissos com seus stakeholders, acionistas, clientes no sentido de reduzir a pegada de carbono. Aqui na fábrica vamos reduzir em 50% a pegada de carbono em um prazo de dez anos. A meta é reduzir 50% em cada década, sendo um objetivo global da companhia. Nosso compromisso é baseado nos dados de 2015, mas ainda não temos ideia do que vamos fazer com os produtos que já estão rodando. Prometemos que até 2025 vamos reduzir em 20% as emissões da frota circulante Scania que nem está em nossas mãos”.

COMPUTADOR SOBRE RODAS - “A solução encontrada pela companhia foi trabalhar em cima de três pilares. O primeiro é engenharia pura, ou seja, eficiência energética de fazer o powertrain tornar-se mais eficiente em 20% e depois ainda reduzir mais 8%. O segundo está na conectividade e digitalização, com mais de 50 mil veículos conectados aqui e outros 500 mil no resto do mundo e isso permite agir direto sobre a frota circulante pois existe a recepção contínua de dados emitidos pelos caminhões. É a combinação da engenharia pura com a mecatrônica embarcada, com uma enormidade de sensores. Tanto assim que fomos afetados com a crise dos semicondutores porque nosso caminhão seguramente é o que tem maior número destes componentes. O nosso produto é um computador sobre rodas.”

Em síntese, com a conectividade é possível melhorar a eficiência operacional. “O veículo não para nunca sem estar dentro das previsões. As nossas manutenções são sempre preventivas ou preditivas e nunca corretivas. Portanto, o negócio do transportador não é afetado”.

Tanta tecnologia e tanta evolução poderiam significar que as operações dos caminhões estão chegando ao denominado estado da arte. Podgorski acredita que existem evoluções e sofisticações ainda para chegar. “Mas estamos no caminho certo”.

As empresas de transportes estão pressionadas pelos embarcadores a reduzir as emissões. Não é só questão de consciência ambiental dos empresários do setor, mas também a cobrança dos clientes. E Podgorski realça que “com eficiência energética, conectividade e digitalização é possível reduzir entre 20% a 30% o consumo e, por consequência, as emissões. Mesmo assim, tal avanço ainda não permite chegar no carbono neutro”.

“Aí entra o terceiro pilar que são as tecnologias alternativas ou com motor de combustão interna não utilizando derivados de petróleo, mas HVO, biodiesel e biometano. Fundamentalmente estes três. A eletrificação pode ser com BEVs (Battery Eletric Vehicles) e mais para a frente o FCEV (Fuel Cell Eletric Vehicles) com células de hidrogênio. O hidrogênio é um capítulo a parte. Será utilizado antes por outras indústrias. Por exemplo, a siderúrgica”.

“Importante é não pensar só no veículo, mas do poço à roda”, realça Podgorski. “Qualquer fonte energética que estiver disponibilizada, se você fizer só o que o veículo vai emitir, é uma meia verdade. De nada adianta um carro elétrico que é carregado por energia de uma termoelétrica a carvão.”

O executivo ressalta que quem vai comandar este processo será a iniciativa privada. “No caso dos transportes, os embarcadores vão pressionar muito e os transportadores sabem da importância das mudanças, aliás trabalham para fazer acontecer”.

“Meu otimismo é baseado em fatos, pois já temos nas nossas metas de sustentabilidade 278 fornecedores locais e mais alguns milhares na China e Europa. As experiências dos últimos anos com os caminhões a gás mostram o quanto os empresários de transportes querem mudanças. Mesmo com custos de operação – TCO (total cost of ownership) - relativamente similares e o caminhão sendo mais caro, a operação se paga em dois anos. Mesmo assim, a demanda por veículos a gás surpreendeu. E olha que o gás não deveria ter o preço atrelado ao diesel”.

A vantagem do gás, lembrada por Podgorski, é seu custo muito mais baixo de extração e em vez de ir para um refino que é caro precisa, quando muito, de filtragem. “Os nossos clientes estão felizes com os caminhões e a rede de distribuição da Comgas, por exemplo, que tem mais de 20 mil quilômetros em gasodutos no raio traçado a partir de Ribeirão Preto para cá. No entorno de São Paulo temos mais de 200 postos de abastecimento. Estão corrigindo a questão do bocal de abastecimento para os caminhões e o tempo de carga será similar ao utilizado para colocar diesel.”

O executivo lembra ainda outro dado importante: e aqueles que têm a possibilidade de usar o biometano? “O governo mostra muito interesse nesta alternativa e tem financiamentos especiais com o BNDES verde e isenção do PIS e Cofins. O governo do estado está para fazer a isenção para veículos a gás.”

Da mesma maneira recorda o antigo problema ambiental provocado pela vinhaça no setor sucroalcooleiro. “Vamos entender que para cada litro de etanol produzido são 12 litros de vinhaça ou vinhoto. Junte isto com a torta de resíduo e surge o biometano, importante para movimentar os caminhões da própria usina. O passivo ambiental torna-se digno de crédito de carbono”.

ILHA ENERGÉTICA - O velho sonho da ilha energética do setor sucroalcooleiro torna-se, enfim, realidade. “Temos dois círculos virtuosos lindos que são bem aderentes ao Brasil. O do carbono – através da fotossíntese – tal qual aprendemos na escola e a economia circular. A gente está utilizando um resíduo sem valor agregado nenhum e o transforma em uma energia limpa, verde e sustentável”.

“O que acontecerá nas próximas décadas, mesmo com algumas dificuldades, vai nos conduzir para o grande salto. Exatamente aquele que já citamos. E lá fica claro, muito claro, que não existe uma bala de prata, não existe só eletrificação. O futuro não será só elétrico, ele será eclético”, define o CEO.